17 de agosto de 2010

CRISTOLOGIA - SACERDÓCIO DE JESUS (aula 10)


INTRODUÇÃO
A função sacerdotal aparece em quase todas as religiões para assegurar a mediação entre os homens e a divindade.
Nas sociedades primitivas é exercida pelos chefes de família, clã ou tribo.

Quando a sociedade se organiza, aparece a figura do sacerdote
Nos primórdios da história da Bíblia, as funções sacerdotais eram exercidas pelos patriarcas e outros chefes dos grupos que integravam a sociedade.
Os primeiros sinais de sacerdotes “profissionais” aparecem no tempo dos Juízes.

Inicialmente, o sacerdócio foi dado por Deus a Aarão e seus filhos. Era um sacerdócio transmitido por herança, para realizar a mediação entre Israel e Deus.

O sacerdote era o homem consagrado ao culto divino, era sacerdote para Deus: “Farás aproximar de ti, dentre os israelitas, Aarão e os seus filhos com ele, para que sejam meus sacerdotes...” (Ex 28, 1)

O sacerdote, por sua função de mediador entre Deus e o povo, era consagrado, ungido, distanciado dos outros homens, para conservar a santidade sacerdotal: “Aarão e seus filhos desempenharão seu ofício sacerdotal. Porém, todo profano que se aproximar será punido de morte” (Nm 3, 10).

Esta condição devia permitir-lhe dar uma resposta às exigências religiosas do povo, no campo ritual, do ensino e da palavra
A realidade não era tão ideal assim. A mediocridade da mediação explica porque o povo judeu imaginou um ideal sacerdotal, uma mediação livre de imperfeições.

Os profetas dirigiam acusações contra os sacerdotes: “Ele virá para purificar a prata. Ele purificará os filhos de Levi e os acrisolará como ouro e prata” (Ml 3, 3).

Os sonhos se dirigiram então em torno da figura do Messias. Seria Ele o Sumo Sacerdote perfeito, em que não mais existiriam as insuficiências e os pecados do sacerdócio de Aarão.

Deus mesmo promete um novo sacerdócio, liberto das imperfeições atuais: “farei surgir um sacerdote fiel, que procederá conforme meu coração e meu desejo, e lhe consolidarei uma casa que permaneça, a qual andará sempre na presença do meu ungido” (1 Sm 2, 35).

Este sacerdote fiel será o único que realizará um culto perfeito, reconciliando definitivamente o povo com Deus.

Nos círculos proféticos começa-se a identificar este Sumo-Sacerdote com a figura escatológica do Messias, filho de Davi que, ungido pelo Espírito do Senhor, exercerá um sacerdócio fiel que realizará um culto perfeito, reconciliando definitivamente o povo com Deus. Enfim, será um sacerdócio:

- Profético – “O Espírito do Senhor me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres” (Is 61, 1)
- Real – “Virão dias em que suscitarei a Davi um germe justo, um rei reinará... Exercerá na terra o direito e a justiça” (Jr 23, 5)

O Messias se apresentará como o “Bom Pastor”, modelo ideal de serviço ao povo de Deus.

Deus reprova o comportamento dos maus pastores e anuncia que dará a seu povo novos pastores, que apascentarão na justiça e na paz.

“Eu mesmo cuidarei do meu rebanho e o procurarei. Como um pastor cuida de seu rebanho, assim cuidarei das minhas ovelhas e as recolherei de todos os lugares por onde se dispersaram em um dia de nuvem e escuridão... Eu mesmo apascentarei o meu rebanho, eu mesmo lhe darei repouso” (Ez 34, 11-12.15)


SACERDÓCIO DE JESUS
Jesus nunca usou para si o título de “sacerdote”, para que não lhe atribuíssem um sacerdócio semelhante ao judaico de sua época. Sua pessoa e seu ministério não correspondiam àquele conceito.

O ministério de Jesus foi do tipo profético-sapiencial. Pregava como os profetas e coloca-se claramente no número deles: “...devo prosseguir o meu caminho, pois não convém que um profeta pereça fora de Jerusalém” (Lc 13, 33)

Mesmo alguns de seus milagres remetem a milagres dos tempos dos profetas Elias e Eliseu, como por exemplo a multiplicação dos pães:

“Um homem trouxe para o homem de Deus pão das primícias, vinte pães de cevada e trigo novo. Eliseu ordenou: “Oferece a esta gente para que coma”. Mas o servo respondeu: “Como hei de servir isso para cem pessoas?” Ele repetiu: “Oferece a esta gente para que coma, pois assim falou Iahweh: ´Comerão e ainda sobrará`” Serviu-lhes, eles comeram e ainda sobrou” (2Rs 4, 42-44).

Jesus deu prosseguimento à tradição profética de crítica ao formalismo religioso. Ele não absolutizava a pureza ritual: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro” (Mt 15, 11), nem mesmo as prescrições referentes ao sábado: “O Filho do Homem é senhor do sábado”(Mt 12, 8).

Não aceitou o conceito de santificação através da separação ritual.
Ele retoma o profeta Oséas e declara: “Misericórida é o que eu quero, e não sacrifício” (Os 6, 6; Mt 9, 13)

Deus prefere a dedicação ao próximo como critério de santidade, e não meros rituais, separações, etc.

Ele se afasta do antigo sacerdócio e introduz um novo sacerdócio, não centrado num culto anexo a um prédio, mas na edificação de uma comunidade nutrida pela vida do Senhor, onde os “verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade”(Jo 4, 23)

O verdadeiro “templo” agora é o santuário do seu corpo ressuscitado, “reconstruído em três dias”. Todo o sacerdócio futuro tem seu alicerce no Senhor ressuscitado.

O sacerdócio de Jesus é refletido na Carta aos Hebreus, único documento que atribui ao Cristo o título de sacerdote. Nesta carta, o sacerdócio de Cristo é refletido em alguns aspectos.

Cristo é o Sumo Sacerdote, ao mesmo tempo sacerdote e vítima e apresenta ao Pai um sacrifício único e perfeito, tornando-se princípio de salvação para todos.

Ele intercede continuamente em favor de todos:

“Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor. E não foi para oferecer-se muitas vezes, como o sumo sacerdote qu entra no Santuário cada ano com sangue de outrem. Mas foi uma vez por todas, agora, no fim dos tempos, que ele se manifestou para abolir o pecado por meio do seu próprio sacrifício” (Hb 9, 24-26)

A sua realeza se manifesta na caridade e na entrega de si, e não no poder opressor, segregador, opressor. Seu sacerdócio é pastoral, é o sacerdócio do Bom Pastor, que dá sua vida.

Jesus é o verdadeiro sacerdote, único mediador entre Deus e os homens, através da livre oferta de sua vida, que reconcilia a humanidade com Deus: “Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizado uma vez por todas” (Hb 10,10)

Seu sacerdócio é para sempre: “Tu és sacerdote para sempre” (Hb 7, 21). O sacerdócio do Antigo Testamento era limitado pela morte de seus membros. Mas o de Jesus é perpétuo, pois o “Cristo ressuscitado já não morre.” (Rm 6, 9)

Na sinagoga de Nazaré Jesus revela sua identidade e missão: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me a proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19)

A Carta aos Hebreus ainda comenta sobre o sacerdócio: “Todo sumo sacerdote, tirado do meio dos homens, é constituído em favor dos homens em suas relações com Deus” (Hb 5, 1).

Jesus é verdadeiro sumo sacerdote em virtude de sua situação divina e da situação humana que possui.

Ele pertence ao mundo dos homens e ao mundo de Deus. Ao mundo dos homens, para interceder por eles junto do Pai, e comunicar-lhes sua Palavra. Pertence ao mundo de Deus para dar aos homens a vida divina
Jesus é o verdadeiro sumo sacerdote em virtude mesmo de sua condição junto de Deus, que lhe dá o poder de intervir em favor dos homens.

Ele é “o sacerdote” em virtude de sua união hipostática, pois o Cristo-Homem pertence ao mundo divino.

Sua consagração, ou seja, sua subtração do mundo profano para ser transferido ao mundo de Deus, é a sua própria união hipostática. A unção original da humanidade de Jesus é Pessoa do Verbo.

Jesus também é plena e verdadeiramente homem. Ele é “tirado do meio dos homens”, e esta sua comunhão com a humanidade é essencial para a intercessão.

A vocação do sumo sacerdote é levar a humanidade à perfeição.

Para isto, Jesus percorre todas as etapas da vida humana: ele viveu uma condição humana semelhante à nossa, menos o pecado. Assim, toda sua vida, não apenas sua Paixão/Ressurreição são redentoras.

A situação humana e divina de Jesus fundamentam seu ofício de mediador. Sua vocação é intervir em favor dos homens em suas relações com Deus.

Essa mediação coincide com sua função reveladora: partilha com os homens os mistérios divinos. Com sua função santificadora: transforma os homens em imagem de Deus. Com sua função intercessora: pede a Deus por seus irmãos, e por eles morre para que obtenham a salvação.

Estamos longe, pois, de uma idéia exclusivamente cultual ou ritual do sacerdócio.

Concluamos que há duas épocas nesta mediação: ela se concretizou primeiramente na vida terrestre de Jesus. Por seu sacrifício, Ele santificou em sua humanidade a nossa humanidade, e de uma vez por todas: “De fato, com esta única oferenda, levou à perfeição, e para sempre, aqueles que ele santifica” (Hb 10, 14).

Sua mediação agora se exerce no santuário celeste, onde Ele entrou em virtude de seu sacrifício. Esta mediação não repete simplesmente sua obra terrestre, apenas se fundamenta nela.

Jesus agora exerce seu sacerdócio intercedendo por nós, dando-nos sua graça para que alcancemos o Pai. Possuidor do Espírito, em virtude de sua ressurreição, Ele é seu dispensador.

A vida cristã existe na dependência atual e total do sacerdócio do Cristo

“Sendo assim, irmãos, temos toda a liberdade de entrar no Santuário pelo sangue de Jesus. Nele temos um caminho novo e vivo, que ele mesmo inaugurou através do véu, quer dizer: através da sua humanidade. Temos um sacerdote eminente constituído sobre a casa de Deus. Aproximemo-nos, então, de coração reto e cheios de fé, tendo o coração purificado de toda má consciência. Sem esmorecer, continuemos a afirmar nossa esperança, porque fiel é quem fez a promessa. Velemos uns pelos outros para nos estimularmos à caridade e às boas obras.” (Hb 10, 19-21)

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