29 de agosto de 2011

ECLESIOLOGIA (AULA 2)

INTRODUÇÃO À ECLESIOLOGIA
JESUS E A IGREJA


“A Igreja nasceu do amor do Pai Eterno, foi fundada no tempo pelo Filho Unigênito encarnado em Jesus de Nazaré e tem como alma o Espírito Santo”

O que pensava a Igreja primitiva de si mesma?

Os primeiros cristãos perceberam logo que a mensagem de Jesus não deveria ser vivida isoladamente, mas em comunidade, naquele ambiente centrado nos “Doze”. Eles “mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2, 42)

Eles traziam suas questões aos apóstolos (At 5). Os apóstolos planejavam as atividades missionárias (At 13), deliberavam sobre problemas importantes (At 15).

“Pelas mãos dos apóstolos faziam-se numerosos milagres” (At 5, 12)

Eram os apóstolos que “impunham as mãos e eles recebiam o Espírito Santo” (At 8, 17)

Esse grupo estava ligado, através de seus elementos principais, a um conhecimento direto de Jesus – tanto o ressuscitado, com quem “comeram e beberam” (At 10, 41), quanto o Jesus histórico de quem foram “companheiros”

Sentiam também que aquele Espírito que Jesus prometera era uma presença atuante na vida da comunidade.

A comunidade – e o próprio Jesus – ao usar a palavra Igreja-Ekklesia, manifesta a convicção de ser ela a sucedânea do Povo de Israel enquanto nação consagrada, como a nova e última etapa da História sagrada.

Paulo coloca a conversão dos povos pagãos como uma característica do novo “Povo de Deus”, reunindo um povo onde já não há diferenças e nem barreiras.

A nova comunidade – A Igreja de Jesus – dá cumprimento à vocação profética de Israel, como a última etapa da História sagrada, em preparação para a consumação escatológica: “nós é que somos o templo do Deus vivo, como disse o próprio Deus: [...] serei para vós pai e serás para mim filhos e filhas” (2 Cor 6, 16b-18).

A unidade dos homens entre si e com Deus é descrita com a metáfora do “Corpo de Cristo”.

Mas... e Jesus? Ele pregou uma Igreja ou o Reino de Deus? A Igreja é um acontecimento pós-pascal, ou Jesus mesmo a teria idealizado e fundado?

Para Jesus o Reino não é algo ligado ao fim do mundo, mas algo que já existe na História, como “semente” cujo crescimento não se percebe (Mc 4, 26-29), como “grão de mostarda”, como “fermento na massa”.

“É significativo que Jesus goste de recorrer à imagem das lentas maturações vegetais para simbolizar o crescimento do Reino” (P.Faynel)

Aquele pequeno grupo que Jesus formou em torno de si, ele o considerava o germe daquilo que ele chamará a “sua” Igreja, seu “pequenino rebanho”.

Eles não vivem a plenitude do Reino, mas... “Não temais, pequeno rebanho, pois foi do agrado do meu Pai dar-vos o seu Reino” (Lc 12, 32)

Essa comunidade durará e crescerá na História, anunciará o Evangelho, comparecerá diante de reis e governantes por causa de sua fé, praticará a caridade, será sal da terra, luz do mundo, exercerá a autoridade em espírito de serviço, etc...

São palavras do Senhor: “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai,do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar tudo quanto os ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20)

Encontramos em Jesus, vários elementos preparatórios que nos levam a entender sua intenção de fundar a Igreja:
  • As promessas do Antigo Testamento referentes ao povo de Deus e que se pressupõem na pregação de Jesus;
  • O convite à conversão e à fé em Jesus, dirigido a todos os povos;
  • A vocação e instituição dos Doze apóstolos, chamando “os que ele quis, para que ficassem consigo e para enviá-los a pregar o Reino” (Mc 13);
  • A imposição do nome a Simão Pedro;
  • A instituição da Eucaristia na última Ceia, como memorial de sua paixão: “Fazei isto em memória de mim”;
  • A reconstituição, graças à ressurreição, da comunidade rompida entre Jesus e seus discípulos;
  • O envio do Espírito Santo, que faz da Igreja verdadeiramente uma criação de Deus;
  • A missão dos discípulos junto aos pagãos e a constituição da Igreja dos pagãos.

Desde as origens aquela comunidade se estruturou em torno dos “Doze”: “perseveravam na doutrina dos apóstolos”(At 2, 42), oravam por eles quando aprisionados (At 12,5), traziam-lhes o preço de seus bens (At 4, 35)

Os Doze convocavam reuniões, deliberavam sobre os serviços comunitários, impunham as mãos.

E qual o papel de Pedro? A ele foi entregue um ministério especial:
  • “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares sobre a terra será ligado nos céus” (Mt 16, 18-19)
  • “Eu roguei por ti (Pedro) para que tua fé não falte, e tu, uma vez confirmado, confirma teus irmãos” (Lc 22, 31-32)
  • “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?... Apascenta os meus cordeiros... apascenta os meus cordeiros... apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 15-17)

Ele sempre é nomeado em primeiro lugar nas listas dos apóstolos.

É quem aparece falando em nome dos demais. (At 2,14.37; 3,6.12; 4,8; 5,3.29)

O Anjo, após a ressurreição, diz às mulheres: “Ide dizer aos discípulos e a Pedro...” (Mc 16, 7)

O Senhor pagou com ele o tributo devido.

No livro dos Atos é Pedro quem discursa à multidão no dia de Pentecostes, depois que a multidão perguntara a “Pedro e aos outros apóstolos”, o que devia fazer.

Ele administra a primeira comunidade de Jerusalém, recebe na Igreja os primeiros gentios.

Ele é quem preside o chamado “Concílio de Jerusalém”.

S. Paulo o reconhece como uma das “colunas da Igreja”, enumera a aparição do Ressuscitado “a Pedro e depois aos onze”, conta que subiu a Jerusalém “para conhecer Pedro”, com quem ficou quinze dias.

A função de Pedro subsiste ainda hoje na Igreja.

A Igreja, como organismo vivo que prolonga na História a presença de Cristo de modo atual, viva, ontológica, perpetua a estrutura inicial.

Ela continua sua obra de redenção e santificação, de maneira visível.

Jesus rezou ao Pai na véspera de sua morte:
“Eu não rogo somente por eles, mas também pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim, a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17, 20-21)

21 de agosto de 2011

ECLESIOLOGIA (AULA 1)

INTRODUÇÃO À ECLESIOLOGIA
IGREJA - CONCEITOS FUNDAMENTAIS


INTRODUÇÃO:

Ekklesía, tradução do hebraico qahal, significa “aviso de convocação” e “assembléia reunida”.

É a convocação divina e é a assembléia dos convocados.

Aparece duas únicas vezes nos Evangelhos e 144 vezes no restante do Novo Testamento.

O documento do Vaticano II que nos fala especificamente sobre a Igreja é a Constituição dogmática Lumen Gentium, que assim começa:
“Cristo é a luz dos povos. Por isso, este sagrado Concílio, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente, anunciando o Evangelho a toda criatura, iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja.
E retomando o ensino dos concílios anteriores, propõe-se explicar com maior rigor aos fiéis  e  a toda  gente a natureza e a missão universal da Igreja, a qual é em Cristo como que sacramento ou sinal, e também instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumen Gentium 1)

Mais do que definida, a Igreja, realidade divina e humana, pode ser apenas descrita. O Concílio a chama de mistério e  afirma:
“Não é criar uma analogia inconsistente comparar a Igreja ao mistério da encarnação. Pois assim como a natureza assumida pelo Verbo divino lhe serve de órgão vivo de salvação, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para fazer progredir o seu corpo místico” (Lumen Gentium 8)

Várias são as imagens utilizadas para melhor conhecer a natureza da Igreja:
Redil, vinha, construção, família, templo santo, Jerusalém celeste, esposa imaculada do Cordeiro.

Veremos a Igreja sob sete enfoques:
  • Como sacramento
  • Como comunhão
  • Como povo de Deus
  • Como corpo de Cristo
  • Como tradição viva
  • Como sociedade
  • Como instituição


IGREJA COMO SACRAMENTO:

É uma realidade divina portadora de salvação, que se revela de modo visível, encarnada na história.

Cristo é a luz dos povos. A Igreja é, nele, sinal e instrumento da união com Deus e da unidade com o gênero humano.

Jesus é o autor da salvação e a Igreja é o sacramento visível desta unidade salvífica.

Cristo continua a agir através da estrutura visível da Igreja, por intermédio do seu Espírito.

O Reino de Deus se manifesta nas palavras, obras, milagres e pela presença pessoal do Cristo. A Igreja é “o Reino de Cristo já presente em mistério” (Lumen Gentium 3) é o “germe e início deste Reino na terra” (Lumen Gentium 5)

O Senhor ressuscitado derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai, e desde então, enriquece a Igreja com os dons do seu fundador, e a estabelece na terra e na história como germe e início deste reino.

“A Igreja que abriga em seu seio os pecadores, santa e ao mesmo tempo necessitada de purificação, aplica-se incessantemente à penitência e à sua renovação” (GS 42)


IGREJA COMO COMUNHÃO:

É comunhão com Deus, da qual se participa por meio da palavra e dos sacramentos, e que leva à comunhão com os cristãos entre si e se realiza concretamente  na comunhão das igrejas locais.

A nível estrutural, os bispos são individualmente o princípio visível e o fundamento da unidade em suas igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal.


A IGREJA COMO POVO DE DEUS:

É um conceito que vem desde o Antigo Testamento, e que guarda relação com a categoria da aliança.

A Igreja realiza definitivamente a vocação universal a que era chamado Israel pelo seu Deus como “sinal entre as nações” (Is 11, 12),e se torna “povo messiânico, instrumento de redenção de todos” (Lumen Gentium IX)

Os que crêem em Cristo e o vêem como autor da salvação e princípio de unidade e paz constituem a “estirpe eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo conquistado [...] que em tempos não o era, mas agora é o povo de Deus” (1 Pd 2, 9-10)

Este povo tem por cabeça o Cristo, por condição a dignidade e liberdade dos filhos de Deus, por lei o mandamento do amor e tem por fim o reino de Deus, já começado e que deve ser continuamente desenvolvido até à consumação final quando Cristo, nossa vida, aparecer.


A IGREJA COMO CORPO DE CRISTO:

Pela comunicação do Espírito, o Cristo constituiu com seus irmãos o seu corpo místico.

Ele reparte conosco seu Espírito, que sendo um só na cabeça e nos membros, vivifica, unifica e dirige.

Neste corpo, a vida de Cristo se comunica a nós de modo real, por meio dos sacramentos, especialmente o Batismo e a Eucaristia.

Cristo é a cabeça deste corpo, e todos os membros, com seus diversos dons e funções, devem conformar-se com Ele.

Ele enche a Igreja com seus dons para que ela procure e alcance toda a plenitude de Deus.


A IGREJA COMO TRADIÇÃO VIVA:

Cristo envia seus apóstolos para pregarem o Evangelho a todos os homens, como fonte de verdade salvífica, comunicando a eles seus dons divinos.

O que foi transmitido pelos Apóstolos compreende tudo o que contribui para conduzir a vida e fazer crescer o povo de Deus. A Igreja, com sua doutrina, vida e culto perpetua e transmite historicamente o que ela é e o que ela crê.

A tradição viva tem em comum com a Escritura o ser princípio de continuidade e identidade entre a Igreja apostólica e as gerações posteriores até o fim dos tempos, no plano do conhecimento, do culto e da vida.

Neste contexto se situa o magistério dos bispos, como garantia da sucessão apostólica.

A tradição aparece em dois sentidos: para descrever o que não está escrito na Escritura e tem origem apostólica; e para exprimir todo o processo de transmissão viva da revelação através dos tempos.

“A tradição é a expressão do Espírito Santo que anima a comunidade dos fiéis. Ela corre através de todos os tempos, vive em cada momento e toma corpo continuamente. Esta força vital, espiritual, que herdamos de nossos pais e que se perpetua na Igreja, é a tradição viva” (J A Möhler)


A IGREJA COMO SOCIEDADE:

Ela é “estrutura visível e social”, “grupo visível”, “sociedade dotada de organismos hierárquicos”, “Igreja terrena”, “estabelecida e estruturada neste mundo como sociedade”, “uma única sociedade visível de crentes unidos por uma mesma fé, pelos mesmos sacramentos e pela submissão a uma mesma hierarquia”.

Toda esta concepção de sociedade não pode ser desvinculada da visão de Corpo Místico e de sacramento.

A esta sociedade se incorpora não só com “o corpo”, mas também com “o coração”.

As formas concretas com as quais a Igreja exercita sua missão fundamenta a importância da eclesiologia “jurídico-prática”.


A IGREJA COMO INSTITUIÇÃO:

Por instituição se entende um conjunto de formas e atividades típicas de uma sociedade que, ainda que se tenham desenvolvido historicamente, têm certa permanência (subdivisão de funções e poderes, tradições consolidadas, ritos e símbolos permanentes, normas morais reconhecidas, etc...)

Há que se superar o risco de situar a Igreja apenas como uma realidade sociológica, pois, apesar de composta por homens, tem sua origem e fim último em Deus, e sua razão de ser e seu sentido consiste em ser “sacramento universal de salvação”.

A instituição aparece como sinal identificador do Espírito, que a ajuda a identificar-se com a mensagem originária do Evangelho.

É sinal da força integradora do Espírito, que incorpora cada fiel e as diversas igrejas na unidade originária da Igreja universal.

É sinal da força libertadora do Espírito.