13 de maio de 2010

CRISTOLOGIA - AS TENTAÇÕES DE JESUS (aula 03)

A QUESTÃO: Jesus, o Cristo, foi tentado? Verdade ou criação literária edificante? Missão de Jesus consiste em descer aos perigos do homem, penetrar no drama da consciência humana. Jesus é solidário conosco, agarra toda a nossa história. Hb 2, 16-18: Pois não veio ele ocupar-se com anjos, mas sim com a descendência de Abrahão. Convinha, por isso, que em tudo se tornasse semelhante aos irmãos, para ser, em relação a Deus, sumo sacerdote misericordioso e fiel, para expiar assim os pecados do povo. Pois, tendo ele mesmo passado pela prova, é capaz de socorrer os que são provados. Hb 4, 15s Com efeito, não temos sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. Aproximemo-nos, então, com segurança do trono da graça para conseguirmos misericórdia e alcançaremos graça, como ajuda oportuna. As tentações têm sentido para o Cristo, por isso têm também para nós. Elas não foram “teatrinho”, e porque reais é que são exemplares para nós. Não existe tentação artificial com finalidade exemplar. O NÚCLEO DAS TENTAÇÕES: Colocar Deus de lado, ordenar e construir o mundo de um modo independente. Desviar Jesus da intimidade com Deus, sugerindo um messianismo “autônomo”: Deus e seu plano são o Bem, ou “eu posso fazer melhor”? Satanás tenta levar Jesus a duvidar da proteção do Pai e acentuar uma certa desconfiança... A tentação fundamental é que Jesus deixe de lado o messianismo de serviço e assuma um outro mais eficaz. AS TENTAÇÕES EM MARCOS Mc 1, 12s “E logo o Espírito o impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por Satanás, e vivia entre as feras, e os anjos o serviam” Está colocado entre o Batismo, onde se relata a vinda do Espírito sobre Jesus(Mc 1, 9-11) e o resumo da pregação de Jesus na Galiléia (Mc 1, 14b-15): “Veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus: Cumpriu-se o tempo e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” Conexão entre Batismo e Tentações: O Batismo institui formalmente o ministério de Jesus. Ele foi UNGIDO com o Espírito Santo, Ele é o Ungido-Messias-Cristo esperado Os céus estavam fechados e se abriram: Mc 1, 11: “e uma voz veio dos céus: Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo.” Há uma insinuação quanto ao messianismo de Jesus: é a do Servo-sofredor de Isaías. Is 42, 1a: “Eis o meu servo, que eu sustento, o meu eleito, em quem tenho prazer. Pus sobre ele o meu espírito” Tópicos de interesse em Marcos: OS QUARENTA DIAS Remetem, sem dúvida, aos quarenta anos de Israel no deserto – tempo de tentação e de proximidade com Deus. O DESERTO No Evangelho de Marcos, o deserto é lugar de proximidade com Deus, é o lugar onde Jesus gosta de se pôr para rezar. Lugar de proximidade com Deus, mas também lugar de tentação. A CONVIVÊNCIA PACÍFICA Jesus vivia harmoniosamente “entre as feras e os anjos o serviam” Is 11, 6.8: Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos, e um menino pequeno os guiará. A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide e a criança pequena porá a mão na cova da víbora. Significado escatológico: Com o Cristo chegamos à reconciliação anunciada para o fim dos tempos: “Cumpriu-se o tempo e o reino de Deus está próximo!” AS TENTAÇÕES EM MATEUS A PRIMEIRA TENTAÇÃO – Mt 4, 1-4 Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. Então aproximando-se o tentador, disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. Mas Jesus respondeu. “Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” “Se és Filho de Deus...” – Jesus tem que dar provas de sua “pretensão”, de modo claro! Essa exigência o acompanhará até o fim da vida. Até na cruz: “Se és o Filho de Deus, então desce da cruz...”(Mt 27, 40) Satanás tenta Jesus para que ele se sirva de seu poder para escapar da difícil situação em que se encontrava : a fome! Tentação de usar Deus para fugir da dureza da condição humana. Tentação da “mágica”, do “fantástico” em proveito próprio. Tentação messiânica de resolver tudo sozinho. A multiplicação dos pães: As pessoas foram atrás de Jesus para ouvir suas palavras e abandonaram o resto. Jesus então multiplica o pão. Quando o procuraram depois, Ele não fez o milagre. A resposta de Jesus é tirada de Dt 8, 3: Ele te humilhou, fez com que sentisses fome e te alimentou com o maná que nem tu nem teus pais conheciam, para te mostrar que o homem não vive apenas de pão, mas que o homem vive de tudo aquilo que procede da boca de Iahweh Para Jesus o pão não é o principal, mas sim a palavra de Deus. Quando Deus é uma grandeza secundária, podendo ser deixado de lado, aí fracassa o que é tido como “principal” Onde as pessoas vivem a Palavra de Deus são capazes de repartir o pão e de fazer com que ninguém passe fome no mundo. Podemos ter também uma referência à Eucaristia: o permanente milagre do pão, em que Jesus transforma o grão de trigo em seu próprio corpo. A SEGUNDA TENTAÇÃO – Mt 4, 5-7 Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra”. Respondeu-lhe Jesus: “Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus” Jesus e o diabo se utilizam da Sagrada Escritura. A resposta de Jesus é uma alusão à história da rebelião do povo contra Moisés e contra Deus, na situação de sede em que estavam no deserto. Deus que prove ser Deus!...Novamente se pede que Deus seja provado como se provam mercadorias. O diabo pede a Jesus um espetáculo! E todos imediatamente o reconhecerão! É a tentação do grandioso, do extraordinário! Jesus não deu o salto gratuito agora. Ele não tentou a Deus. Seu grande salto foi na cruz, como ato de amor, entrega e confiança em Deus. A TERCEIRA TENTAÇÃO – Mt 4, 8-11 Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe: “Tudo isso te darei, se, prostrado, me adorares”. Aí Jesus disse: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele só prestarás culto”. Como isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo. O diabo oferece a Jesus o domínio. É a tentação de usar o poder dominador para levar adiante sua missão, abrindo mão do “ineficaz” messianismo do Servo. Para Jesus a fidelidade ao Deus-Amor não se impõe pela força ou por qualquer forma de dominação. Ele rejeita o poder dominador como algo proveniente do demônio O poder de Jesus e de seus discípulos é o poder do serviço. Mt 20, 25ss Os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo. Desse modo, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos. CONCLUSÃO As tentações messiânicas acompanharam Jesus até o fim: o messianismo do Servo não é idealista demais? Ele até o fim foi rejeitado, crucificado, mas não abriu mão de sua total, irrevogável confiança no Pai, de quem Ele revela o rosto, o Pai a quem podemos chamar Abba!

10 de maio de 2010

CRISTOLOGIA - INTRODUÇÃO (aula 01)

Jesus de Nazaré é um judeu, criado nas tradições do povo judeu. Seus primeiros seguidores e primeiros adversários também eram judeus. O Antigo Testamento é um pressuposto interno de Jesus e uma dimensão constitutiva de Jesus e da fé em Cristo. “Para o judaísmo a redenção é um processo que se realiza publicamente, no palco da história e no meio da comunidade: se realiza de maneira decisiva no mundo do visível e não pode ser concebido sem essa aparição no visível” – G. Scholem Vida abençoada: saúde, subsistência econômica, terra, descendência, vida longa, paz, liberdade, direito, acesso intacto a Deus. A vida “natural” é presente de Deus, concedida para que cada um siga a orientação de Javé (nome que uma corrente teológica em Israel chamava Deus) e o testemunhe no mundo. A vida é graça, e quem vive em comunhão com Javé é presenteado com uma vida realizada. Mais tardiamente, Israel começou a distinguir entre felicidade terrena e relacionamento com Deus: “Tua graça é maior que a vida” (Sl 63, 4). Israel narra sua história como palco de sua experiência de Javé e sua atuação redentora. Redenção é libertação em sentido real, corporal, social, econômico. A libertação da servidão no Egito é a ação libertadora prototípica de Javé. Experiência de libertação como liberdade de uma vida “comum” pra ser um povo de pessoas libertas e livres. Ninguém pode oprimir ou escravizar ninguém. Não existe salvação que, como salvação de Javé para todos, não fosse primeiro a salvação dos pobres. Israel vive esta libertação na terra prometida, como uma sociedade tribal, caracteristicamente rural, de subsistência. Seus líderes são pessoas carismáticas, que são ”possuídas” pelo Espírito de Deus (Jz 3, 10; 6, 33a; 11, 29; 1 Sm 11, 6), e que, após sua ação pelo povo, voltam a ser o que eram. Sua ação é caracterizada por uma relação direta e pessoal com Deus. Por motivos internos e externos, por volta de 1030 AC Israel opta por ter um Rei. Primeiro com Saul, depois Davi (1010 AC), e Salomão (971-931 AC). O trono eterno de Javé agora é o Templo e sua habitação é o monte Sião. É de lá que Javé e o rei davídico por ele nomeado exercem seu domínio sobre o povo e sobre o mundo todo, em flagrante discrepância com a realidade histórica da fragilidade do Reino de Israel. Esta vinculação da presença de Javé a um lugar determinado e fixo, como também à dinastia de Davi acarreta equívocos perigosos: a confiança em Javé ameaça transformar-se em confiança num lugar e numa instituição e numa sensação de falsa segurança e proteção. A monarquia centralizada nunca foi unanimidade em Israel. Surge nesta época o movimento profético forte, inicialmente na figura da Samuel. Os profetas pré-exílicos combatem firmemente essa falsa confiança no Templo. (Mq 1, 5.9; 3, 10.12; Sf 1,4; Is 7, 9), chamando atenção para a necessidade de conversão e fé. Eles anunciam que a confiança nas instituições pode tornar-se em desgraça. A ameaça de desgraça vem de inimigos externos, opressores, catástrofes, etc, mas também se situa no interior do homem. O relacionamento perturbado com Deus se expressa na perturbação da ordem vital exterior dada por Deus. O Rei, para Israel, nunca foi uma figura divina no sentido de geração, e sim no sentido de eleição. O Rei era ungido na cerimônia de entronização. Inicialmente o título de Cristo (Ungido) foi aplicado ao Rei. Historicamente, nunca se cumpriu o domínio mundial e superioridade bélica do rei de Israel sobre todos seus inimigos. Pelo contrário, cada rei da descendência de Davi era pequeno demais para essa função. Havia uma grande diferença entre a pretensão de grandeza levantada e a real situação do Reino, sempre ameaçado por inimigos poderosos. Israel aprende que o poder e a violência não são os meios pelos quais Javé quer reinar. Despertava, então, uma grande expectativa que apontava para além da monarquia real, que sempre fracassava. Surge a esperança profético-messiânica de uma monarquia ideal, não violenta, completamente nova. A idéia messiânica surgiu como contraste crítico com a real situação de poder. Os profetas, sempre críticos da monarquia e atualizadores da voz de Deus, falam de uma figura de governante futuro, pela qual Javé mesmo vai estabelecer um reino de justiça e paz. Apontam, claramente, para uma época “messiânica” em sentido lato. Nesta linha, encontramos as profecias contidas em 2 Sm 7, 11b.16; Is 7,12-16; Is 9, 1-7 e Is 11, 1-5.9 Com a morte de Salomão (931 AC), o descontentamento é geral, principalmente nas tribos do Norte, que sentem-se preteridas em relação às tribos do Sul. O reino divide-se em Reino do Norte (Israel) e Reino do Sul (Judá), que passam a ter vidas independentes. Com o surgimento da Assíria, o Reino de Israel, é logo sugado, por conta de suas crises políticas internas e graves problemas sociais, denunciados fortemente por profetas como Amós e Oséias. O Reino de Israel cai em 722 AC. Milhares de cidadãos israelitas são deportados e são instalados estrangeiros em seu território. Houve uma mistura dos estrangeiros com a população nativa que aí ficou. Seus descendentes são os samaritanos. O Reino do Sul (Judá) sofre um processo de lenta desintegração. As injustiças e opressões são sempre denunciadas por profetas como Miquéias, Sofonias, Naum. A Assíria, dizimada por lutas internas e pressões externas, entra em decadência. O rei de Judá, Josias, organiza, então, uma reforma política e religiosa. Uma nova potência surge na Mesopotâmia: Babilônia, que derrota definitivamente a Assíria e assegura para si os antigos territórios assírios, inclusive Judá. Judá busca apoio no Egito. Entretanto, Nabucodonosor, rei da Babilônia, derrota o exército egípcio e invade Jerusalém em 598 AC. Acontece a primeira deportação dos judeus para a Babilônia, iniciando-se o período conhecido como Exílio Babilônico. Desta época é o profeta Jeremias, que criticara violentamente a política pró-Egito. Jeremias não vai para a Babilônia. Jerusalém é incendiada e o Templo destruído. Há uma segunda deportação em 586 AC. Israel agora está arrasada: não tem mais terra, nem Rei, nem Templo. Está exilado num pais estrangeiro. Nesta situação de crise, os profetas pré-exílicos, até então considerados desmancha-prazeres, foram levados a sério. A catástrofe do povo não era prova da superioridade dos deuses dos vencedores, e sim castigo por sua própria culpa e infidelidade a Javé. É feita uma releitura da História e mostra-se que Deus advertira seu povo para suas transgressões através dos profetas, mas o povo não deu ouvidos e assim a catástrofe ocorreu. Mas havia uma chance de retorno: o povo se converter. Deus haveria, então de criar condições para a mudança, Deus precisa convertê-los por sua própria iniciativa: “Dar-vos-ei um coração novo e porei um espírito novo em vosso íntimo” (Ez 36, 26). Na comunidade dos exilados, o profeta Ezequiel lembra que Deus está onde estiver reunido seu povo. Deus está ligado ao povo e não à terra. Ezequiel começa a esboçar um projeto de restauração para o povo, centrado na casta sacerdotal. Um profeta da escola de Isaías, o Segundo Isaías exorta o povo no exílio a ser a luz das nações. Este tempo no exílio é chance de Israel dar testemunho de sua eleição e de exercer sua missão especial no meio das nações. Surge nesta época a mensagem consoladora: Javé, o Santo de Israel, e só ele pode ajudar. É a chamada “esperança messiânica”, “esperança escatológica”. São desta época os chamados “Cânticos do Servo de Deus”, inseridos em Is 42, 1-9; 49, 1-9c; 50, 4-9 e 52, 13-53,12. São mensagens de salvação dirigida a Israel e, universalmente, a todos os povos. Esses Cânticos serão lidos posteriormente pela comunidade cristã como referências ao sacrifício de Jesus. Também o Trito-Isaías anuncia que Javé não é surdo, que ele mora com os abatidos e é cheio de misericórdia como uma mãe tem para com seu filho. Ele é atuante como criador e redentor paternal. Em 550 AC Ciro torna-se chefe do império medo-persa. Ele toma a Babilônia em 539 AC, e permite a volta dos exilados a partir de 537 AC. A volta do exílio traz novas esperanças ao povo. A reconstrução do Templo e de Jerusalém, sob o comando de Neemias e Esdras, torna-se uma condição imprescindível para a vinda próxima de Javé e o despontar de um novo tempo de salvação. O ministério sacerdotal, radicado no Templo, passa para o primeiro plano como mediador da salvação. Por volta de 400 AC, a dinastia real não tem mais importância. O ministério sacerdotal é a única instituição sacra que representa Israel diante de Javé e que medeia sua salvação. Em círculos proféticos, entretanto, a esperança escatológica permanece viva. Mas o rei do futuro se apega humildemente a Deus, é justo e traz a paz: “Exulta filha de Sião! Teu rei vem a ti. É humilde e vem montado sobre um jumento” (Zc 9, 9s). Em 332 AC o exército grego de Alexandre Magno vence os persas e conquista a Palestina. Começa nova fase, com a expansão do helenismo. Sob domínio dos reis gregos chamados Selêucidas (197 AC), começa-se a impor aos judeus a cultura, religião e costumes gregos. O povo dividiu-se entre os que aceitaram passivamente a influência grega e uma ala de resistência aos dominadores. Surge aí o movimento de resistência dos Macabeus. Nesta época formaram-se na Judéia diversos partidos, que se mantiveram ativos até 70 DC: os saduceus, os fariseus, os essênios. Israel, assim, continua dividido, sem esperanças de salvação por si mesma. A esperança messiânica havia se apegado a uma monarquia davídica. Apegara-se a um sacerdócio renovado e a um culto no Templo que fosse puro e agradável a Javé. Apegara-se também a um profetismo messiânico. As esperanças na ação salvadora de Javé eram grandes demais. Sempre permanecia um excedente de promessa que não era cumprido. Só restava dirigir as esperanças para a transcendência, para um absoluta reviravolta nos tempos, esperada do próprio Deus. Ele mesmo haveria de intervir diretamente e efetuar o juízo e a salvação e colocar um novo início radical na história. Almeja-se a chegada de uma novo “Ungido”. Talvez algum descendente de Davi, talvez um dos grandes profetas a voltar como restaurador de Israel. Quem sabe se deva esperar uma misteriosa intervenção direta de Deus na história, como na figura misteriosa do Filho do Homem, do capítulo 7 do profeta Daniel. É nesta situação histórica, em que Israel está sob domínio romano desde 63 AC, que surge Jesus de Nazaré. Ele é filho deste povo, que tinha, então, estas expectativas e esperanças de salvação e libertação. Aguardavam a intervenção de Javé. É neste contexto que entendemos os títulos atribuídos a Jesus: Servo, Messias, Cristo, Filho do Homem, Filho de Deus, Sacerdote, etc. Bibliografia BALANCIN, E M. Guia de Leitura dos Mapas da Bíblia. 8ª ed São Paulo: Paulus, 1987. KESSLER, H. in Manual de Dogmática (Theodor Schneider – org). 2ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2002. KONINGS, J. A Bíblia nas suas origens e hoje. 4ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2002. RATZINGER, J. Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta, 2007. SCHLAEPFER, C F, OROFINO, F R, MAZZAROLO, I. A Bíblia – Introdução historiográfica e literária. 3ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

6 de maio de 2010

CRISTOLOGIA - O BATISMO DE JESUS (aula 02)

OBJETIVO DA CRISTOLOGIA:
Estudar critica e sistematicamente a pessoa e a obra de Jesus de Nazaré, baseado na Sagrada Escritura, nas fontes históricas, na tradição, nos estudos contemporâneos e no magistério da Igreja, possibilitando o conhecimento de Jesus Cristo (Jesus real) e a adesão a ele.


SAGRADA ESCRITURA:



ELEMENTOS HISTÓRICOS:
Flávio Josefo (37-100 d.C)Excetuando o Novo Testamento, o mais antigo depoimento sobre Jesus que sobreviveu até hoje é o do escritor historiador judeu Flávio Joséfo.

"Havia por esses dias um homem sábio, Jesus, se é que é licito chamá-lo de homem, pois operava maravilhas - mestre de homens que acolhiam a verdade com prazer. Atraiu a si muitos judeus como também muitos gentios.


JESUS TAMBÉM É MENCIONADO POR TRÊS HISTORIADORES ROMANOS:
1- Cornélio Tácito (55 – 117 d.C), historiador romano.
"Esta era a seita conhecida como cristãos. Seu fundador, um Cristus, foi executado pelo procurador Pôncio Pilatos no reino de Tibério. Isto suprimiu a superstição abominável por um tempo, mas voltou e expandiu, não só pela Judéia, onde se originou, mas inclusive até Roma, o grande depósito e terra coletiva de todo tipo de depravação e sociedade. Aqueles que confessaram ser cristãos foram presos em seguida, mas por seu testemunho grande número de pessoas foi convertida, não tanto pela acusação de incêndio, mas pelo ódio da raça humana inteira."

Ele era Cristo; e havendo Pilatos, por sugestão dos principais do nosso meio, sentenciado-o à cruz, aqueles que antes o amavam não o abandonaram, pois apareceu-lhes vivo novamente ao terceiro dia. Isto os profetas Divinos haviam predito, bem como dez mil outros fatos maravilhosos a seu respeito; e a tribo dos cristãos, de quem tomam emprestado o nome sobrevive até hoje."
2 - Plínio o Jovem , historiador, foi governador da Bitínia na Ásia Menor, em 112 d.C. Escreveu ao imperdor Trajano, nas Epístolas X.96, sobre a dedicação dos cristãos que ele estava perseguindo.
" ...amaldiçoado a Cristo, que um cristão genuíno não pode fazer."
Na mesma carta ele descreve os julgamentos dos cristãos que haviam sido presos: "Eles afirmaram, no entanto, que toda sua culpa, todo seu erro, era que tinham o hábito de se reunirem num dia fixo antes da manhã, para cantar versos alternados em hino a Cristo como um deus e fazem um juramento solene, não de fazer o mal, mas nunca cometer qualquer fraude, roubo, adultério, nunca mentir, não negarem a verdade quando forem chamados a entregá-la."

3 - Suetônio (? – 120 d.C), Oficial judicial e analista de Adriano em torno de 120 d.C., que escreveu: "Como os judeus estavam fazendo perturbação constante a instigação de Crestus, ele os expeliu de Roma." A Vida de Cláudio, 25.4, "O castigo de Nero foi infligido aos cristãos, uma classe de homens dada a uma nova e perigosa superstição."Vida dos Césares,26.2,:

JESUS TOTAL






O BATISMO DE JESUS:
Jesus emerge para a vida pública ligado a um homem chamado "João Batista".
João Batista é claramente uma figura histórica.
Além do importante papel desempenhado por ele nos quatro evangelhos, o historiador judeu "Flávio Josefo" o menciona em sua obra "Antiguidades Judaicas" (aprox. 93-94 d.C.).
João aparece primeiramente no deserto da Judéia, na região do rio Jordão, proclamando uma mensagem de arrependimento.(cf. Mc 1,4 e Mt 3,1-6).
O deserto é o lugar do futuro esperado, do novo início e da conversão. Isso, por si só, mostra uma opção de espiritualidade: não é a espiritualidade do templo (lei do puro e do impuro) e sim a do deserto.
Ele não tem propriedade, não trabalha para seu sustento, vive do que o deserto lhe oferece: caramujos, gafanhotos e mel (cf. Mc 1, 6). Anda vestido com pêlos de camelo, com uma tira de couro (natural) rude na cintura.Assim se vestiam os profetas.

Tudo isso é uma "demonstração escatológica" de alguém consciente de que é "profeta".
João não era um proclamador de um evangelho (boa nova, boa noticia) de salvação; ele é o profeta da calamidade, que ameaça com o juízo divino já se aproximando. Tanto sua mensagem como seu modo de viver expressam isso.
João Batista traz algo de novo, em comparação com a velha tradição profética: é a necessidade do batismo.
Mergulhar na água por motivos de "metanóia" já era coisa conhecida entre os judeus. Agora, porém, quem batiza é João (pessoalmente ou com ajuda de seus discípulos). Era uma novidade; pois era costume a própria pessoa submergir.
João tinha plena consciência que somente a verdadeira conversão é que dá sentido à ação de batizar. A única coisa necessária para ele é a metanóia, o converter-se e deixar-se batizar; é um batismo de arrependimento. Tudo o mais, em vista do julgamento iminente, é perder tempo.
Do batismo de João faz parte a confissão dos pecados; o judaísmo daquele tempo conhecia várias confissões formalmente genéricas dos pecados, mas também a confissão totalmente pessoal, na qual eram enumerados cada um dos atos pecaminosos.
Trata-se de vencer verdadeiramente a existência até então pecadora, de partir para uma vida nova, para uma vida transformada.


A MORTE DE JOÃO BATISTA:
O historiador judaico Flávio Josefo diz que João, batizando, atraiu tanta gente que Herodes ficou com medo de a influência do Batista levar o povo a uma rebelião, porque todos estavam dispostos a fazer o que ele pedisse; por esse motivo mandou prendê-lo na "fortaleza de Maqueronte". Esse motivo parece historicamente mais provável da sua prisão.

A morte de João Bastista foi conforme as perícopes de: Mt 14,1-12 ; Mc 6,14-29 ; Lc 9,7-9 e 3,19-20.

POR QUE JESUS FOI BATIZADO POR JOÃO:
Só é possível fazermos especulações a respeito dos motivos pelos quais Jesus deixou sua casa e seu pequeno negócio na Galiléia, e viajou até a Judéia para encontrar-se com João Batista.
Ele deve ter ouvido falar que um novo profeta havia surgido em Israel e, como outros judeus religiosos, deve ter ido até o local em que João estava ministrando seu batismo, para ouvir sua mensagem. Duas coisas são bastante claras:.

1- O batismo de Jesus mudou sua vida. Embora não seja possível vislumbrar muitos significados psicológicos na história desse evento, nem tomar a visão descrita pelos evangelistas como uma narrativa literal de sua experiência, o encontro foi um "divisor de águas". Algo aconteceu como resultado desse encontro, que transformou o "carpinteiro de Nazaré" num pregador ambulante do reino de Deus..

2- É bem possível que o ministério público de Jesus tenha se desenvolvido a partir do tempo que passou com João Batista e seus discípulos. A primeira aparição de Jesus se dá na companhia de João. Seus primeiros discípulos, incluindo Felipe e André, haviam sido discípulos de João. Além disso, ao menos nos primeiros dias de seu ministério, ele parece ter batizado outros como fazia o Batista. Cf Jo 3, 22


O BATISMO DE JESUS:
Jesus é sem pecado. Então, porque se submeteu a um batismo de penitência?
A moderna exegese explica que se submetendo à confissão dos pecados, Jesus certamente atribui um novo sentido teológico ao batismo. É o que se pode apreender, especialmente pela leitura dos evangelhos sinóticos.



RELATOS BÍBLICOS SOBRE O BATISMO DE JESUS:
Mc 1, 9-11Mt 3, 13-17
Lc 3, 21-22


SIGNIFICADO TEOLÓGICO DO BATISMO DE JESUS:
Durante o batismo, Jesus é declarado "Messias". A declaração determina discretamente o gênero de messianismo: ela remete a um dos cantos do "Servo do Senhor", em Isaías.
O "Servo" é aquele que carrega os pecados de seu povo. O primeiro gesto de Jesus é submeter-se à confissão dos pecados. Não se situa à distância da história da humanidade.
Evidentemente, não se trata de uma confissão individual.
João, em seu evangelho, transmite uma palavra de Cristo: "Quem de vós pode me acusar de pecado"? (Jo 8, 46). Dá claramente a entender que
Jesus tinha consciência de sua comunhão com Deus Pai.
O messianismo de Jesus, porém, não é uma qualidade meramente externa. O Servo não está separado da humanidade. Toma sobre si os seus pecados.
Inserido no dinamismo de nossa história, o batismo torna-se "solidário" de nossa humanidade.
O batismo de Jesus é descida à habitação do mal, luta com o "forte", que mantém os homens aprisionados.
O batismo – sacramento – a partir daqui aparece como participação na luta de Jesus pela transformação do mundo na mudança da vida que acontece na sua descida e na subida.
Jesus confessa os pecados, mas Jesus não é pecador.
Não confessa por si, mas por nós.
A universalidade de sua confissão e a santidade de sua existência, lançam a velha humanidade numa humanidade nova: a manifestação do Espírito dá testemunho de que os tempos estão cumpridos.
O reino não surge em nosso mundo sem levar em conta nossa história: ele retoma a humanidade em sua realidade pecadora.
Jesus também, possuindo o espírito para uma missão universal, deverá se confrontar pessoalmente com aquilo que é a fonte sempre atual dessa mesma história decepcionante.
O Espírito conduz Jesus para o deserto, para ali ser tentado pelo demônio.