20 de setembro de 2010

CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA CONTEMPORÂNEA (aula 14)

INTRODUÇÃO
O Deus salvador e a decepção dos discípulos.
A cruz como grande escândalo.
O Servo sofredor de Isaías como uma explicação do acontecido com Jesus.

Os modelos de interpretação da morte de Jesus
- Sacrifício expiatório
- Satisfação substitutiva

O modelo do sacrifício expiatório
Jesus morreu pelo pecado do seu povo.

Pelos sacrifícios os homens veneravam a Deus e julgavam aplacar sua ira provocada pela maldade humana. Deus se tornava bom novamente.

Nenhum sacrifício conseguia aplacar definitivamente a ira divina.
A encarnação criou esta possibilidade de sacrifício perfeito.

O Deus irado não combina com o Deus-Pai misericordioso que Jesus nos revelou: o Deus amor e perdão.

Jesus insiste na primazia do amor ao próximo e da misericórdia sobre os sacrifícios e holocaustos.

Deus não espera os sacrifícios para oferecer sua graça. Ele se antecipa.

O verdadeiro sacrifício é abrir-se e entregar-se filialmente para Ele.

A vida humana possui uma estrutura sacrificial.

A vida só é humana mesmo quando sai de si, se abre para a comunhão, morre-para-si-mesma e se realiza no outro.

“Quem ama sua vida a perde e quem odeia sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida eterna” (Jo 12, 25).

Deus sempre espera de nós este tipo de sacrifício.

Jesus foi assim o sacrifício perfeito: entregou toda sua vida e morte pelos outros e pelo Outro.

O modelo da satisfação substitutiva
No século XI, o bispo Anselmo de Cantuária formula este conceito: o pecado ofendeu infinitamente a Deus, e o homem não seria capaz de oferecer uma satisfação infinita.

Só Deus mesmo pode proceder esta satisfação.

É necessário que Deus se faça homem para oferecer a Deus esta safistação infinita. A morte cruenta na cruz é que verdadeiramente nos salva.

Este modelo é fruto duma visão feudal de Deus, e ajudou a formar uma imagem de um Deus cruel, sanguinário e vingativo, infelizmente ainda presente em muitas cabeças piedosas.

Deus surge como injusto: pede a vida de um inocente, e alegra-se com sua morte até o extremo de não poder perdoar o mundo sem ela.

É uma visão também absurda: nos reconciliamos com Deus por um ato que objetivamente é um crime maior do que o pecado que pretende reparar.
Deus Pai, mais do que um colaborador na salvação é, na verdade, um grande obstáculo a ser vencido.

Não! Deus não é sádico, injusto, sanguinário.

Em que consiste, afinal, a salvação?

Em ser o homem plenamente ele mesmo, realizando todas as aspirações do seu coração, nas mais diversas ramificações da existência: em suas relações com si mesmo, com Deus, com os outros, com o cosmos, com o meio ambiente, etc.

Salvação é ser fiel ao “conceito” que Deus pronuncia em mim. Se sou fiel ao pensamente que deveria encarnar, estarei salvo.

O homem sente-se incapaz desta realização. Nunca satisfaz às exigências que experimenta em si mesmo.

Nunca está satisfeito = feito o bastante, o suficiente. O homem fechou-se sobre si mesmo.

Só a Jesus, Deus concedeu realizar plenamente todas as aspirações do homem. Só Ele satisfez as exigências de abertura ontológica do homem.

Deus se encarnou não apenas para divinizar o homem, mas para plenamente humanizá-lo. Jesus nos mostra que a abertura plena, o verdadeiro homem, não é uma utopia, mas sim uma topia: somos salvos na medida de nosso empenho de satisfação de nossa vocação humana.

Soteriologia contemporânea

As noções de “sacrifício expiatório” e “satisfação” não mais encontram horizonte na sociedade contemporânea.

Os teólogos buscam na expressão “solidariedade” uma formulação mais acessível para a ação salvífica de Jesus.

O eixo central desloca-se para a expressão “por nós”. A existência toda de Jesus é uma existência para os outros.

Esta entrega está presente em toda a sua vida e perdura até hoje, na eucaristia, que é seu corpo “entregue por vós” (1 Cor 11, 24b) e seu sangue “derramado por muitos” (Mc 14,24).

O que é redentor em Jesus é toda sua vida: encarnação, vida, morte, ressurreição, ascensão, entrega do Espírito Santo.

A solidariedade do Cristo com a humanidade é singular: ele morreu “em nosso lugar”.

Ele salva ao experimentar e superar, na condição humana, o distanciamento que o pecado produziu entre a humanidade e Deus.

Ele faz com que o amor de Deus exista no lugar dos pecadores: ele toma sobre si os efeitos da humanidade distante de Deus e a carrega como o Servo.

Jesus, que está associado inteiramente a Deus, padece o mais radical abandono de Deus (Mc 15, 34). A distância de Deus, que é o pecado, é assumida no seio da relação divina do Pai e do Filho, que, no fim, foi transformada e superada na vitória da ressurreição.

Na morte e ressurreição de Jesus o máximo do amor redentor de Deus e do homem acontecem.

A salvação do Cristo age “a partir de dentro”.

Ele não é apenas um bom exemplo a ser seguido. Seu Espírito foi derramado em nossos corações. Nossa vida foi incorporada à sua vida: vivermos agora em Cristo (Cl 2,11), com Cristo (Cl 2, 12-20), por Cristo (Rm 7, 4), de Cristo (Gl 5, 24).

Mas... e a cruz?
Damos valor à cruz como consequência de toda sua vida. Ela foi o momento em que se manifestou até onde chegava o seu amor. A cruz foi “um acidente de trabalho”.

O Pai não desejou a morte de seu filho, como fica claro na parábola dos vinhateiros assassinos (Mc 12, 1-8).

É verdade que o Pai não evitou a execução de Jesus, mas para defender um valor maior: a absoluta e total seriedade e autonomia da história, respeitada por Deus mesmo quando a liberdade humana volta-se contra Ele.

O Pai não desejou a morte de Jesus. O que o Pai queria era que seu Filho fosse fiel à sua missão até o fim, até suas últimas consequências.

O Deus revelado por Jesus não é um Deus que se impõe pela força, mas sim o Pai que respeita a decisão humana. Se Jesus tivesse assumido o caminho do poder dominador teria deturpado a revelação do Deus Ágape.

A morte do Cristo foi desejada unicamente pela maldade humana.

Uma vez assumido este caminho, abrem-se duas possibilidades diante de Jesus:
O povo e seus dirigentes aceitarem a proposta do reino, vivendo a conversão ou rejeitarem Jesus e sua proposta.

Sabemos que historicamente foi a segunda possibilidade que se concretizou. Deus só queria, diretamente, que Jesus fosse aceito, mas, indiretamente, a possibilidade de rejeição está incluída na vontade do Deus que não se impõe pela força.

Jesus não buscou a cruz, apenas viveu o amor. O mundo sim, fechou-se a ele e criou-lhe cruzes pelo caminho.

Jesus não fugiu, não deixou de anunciar o Reino. Assumiu a cruz como sinal da fidelidade para com Deus e com a humanidade.

Este é o paradoxo da cruz: o que era obra do ódio, Jesus transformou em fonte de amor.

Pregado à cruz, Ele perdoa, inverte o movimento que mata.

Na morte violenta de Jesus, o amor vai ao extremo: revela que na luta entre o perdão e o ódio, aquele saiu vitorioso.

A vida venceu a morte!

Jesus não buscou o sofrimento. Este lhe foi imposto. Sua vontade não foi sofrer, mas amar.

A salvação foi realizada pelo amor, apesar de ter sido concretizada através do sofrimento. O que faltava ao mundo não era (e não é) a dor, mas sim o amor.

O que o Cristo nos pede é o seguimento, e não a dor.

Não é necessário buscarmos o sofrimento: já bastam as cruzes de cada dia.
O Senhor nos é totalmente solidário em nossas cruzes. Ele não está com aqueles que produzem a cruz, mas com aqueles que padecem com ela.

O amor de Deus não nos protege de todo sofrimento, mas nos protege em todo sofrimento.

Mas por que Ele não nos protege também de toda dor?

Porque o recurso ao “milagroso” ao “extraordinário” não teria limites e o mundo deixaria de ser mundo para ser um grande teatro onde Deus brincaria de marionetes com suas criaturas, privadas de toda liberdade, autonomia e iniciativa.

Mas apesar de todas as explicações, quando a dor aparece, continuamos achando que “não deveria ser assim”...

Nesses momentos, o homem de fé dá caminho à confiança, e sonha com o dia em que viveremos a plenitude do Reino, pois o Cristo nos prometeu que “Neste dia, nada mais me perguntareis” (Jo 16, 23)

O que importa é ser fiel a Cristo a qualquer custo, aceitando todo risco, esquecendo-se de si mesmo por ele, colocando o Evangelho no centro dos próprios interesses e dos próprios projetos pessoais.

A cruz que brota de nosso compromisso contra as cruzes do mundo, é a cruz que importa, e é a nossa incorporação à cruz do Mestre.

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