7 de junho de 2010

CRISTOLOGIA - A ORAÇÃO DO SENHOR (aula 04)

“As palavras do Pai-Nosso são instruções para a oração interior, representam orientações fundamentais do nosso ser, querem formar-nos segundo a imagem do Filho. O significado do Pai-Nosso vai além de uma comunicação de palavras de oração. Ele quer formar o nosso ser, exercitar-nos no modo de pensar sobre Jesus.” (Papa Bento XVI)

No evangelho de Mateus, uma curta catequese sobre a oração precede a oração do “Pai-Nosso”, a qual quer, sobretudo, nos prevenir contra as formas falsas de oração. A oração não deve ser exposição perante as pessoas; ela exige discrição, que é essencial para uma relação de amor. O amor de Deus por cada um de nós é totalmente pessoal e traz em si este mistério da unicidade, que não deve ser divulgado aos homens.

Esta discrição essencial da oração não exclui a oração em comum: o “Pai-Nosso” é, como o próprio nome indica, uma oração na primeira pessoa do plural, e somente neste estar com o “nós” dos filhos de Deus é que podemos absolutamente ultrapassar as fronteiras deste mundo e chegar a Deus. Mas este “nós” desperta então o fundo mais íntimo da minha pessoa; na oração devem compenetrar-se sempre este elemento totalmente pessoal e o elemento comunitário.

A relação com Deus deve estar presente no mais íntimo do nosso ser. Para que isso aconteça, é necessário que esta relação seja sempre desperta e que sejam sempre a ela referidos as coisas de cada dia. Haveremos de rezar tanto melhor quanto mais a orientação para Deus estiver no mais íntimo de nosso ser. Assim teremos muito mais forças para suportar a dor, como também para compreendermos as outras pessoas e estarmos mais abertos a elas. Esta presença silenciosa de Deus na base do nosso pensamento – impregnando nossa consciência – é o que chamamos de “oração permanente”.

"Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos(Lc 11,1). E em resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental. S. Lucas traz um texto breve (de cinco pedidos); S. Mateus, uma versão mais desenvolvida (uma locução e sete pedidos). A tradição litúrgica da Igreja conservou o texto de S. Mateus:

Locução:
Pai nosso que estais nos céus,

Os três primeiros pedidos tratam de assuntos de Deus neste mundo. (O Amor de Deus e do próximo )

santificado seja o vosso nome;

venha a nós o vosso reino;

seja feita a vossa vontade,
assim na terra como no céu;


Nos quatro seguintes, tratam das nossas esperanças, necessidades e indigências. (Instruções sobre o caminho do amor e de conversão.)

pão nosso de cada dia nos dai hoje;

perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido;

e não nos deixeis cair em tentação.

mas livrai-nos do mal.


PAI-NOSSO QUE ESTAIS NOS CÉUS
PAI
A humildade nos faz reconhecer que "ninguém conhece o Pai senão o Filho ele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11 ,27. A purificação do coração diz respeito às imagens paternas ou maternas oriundas de nossa história pessoal e cultural e que influenciam nossa relação com Deus. Deus nosso Pai transcende as categorias do mundo criado. Transpor para Ele, ou contra Ele, nossas idéias neste campo seria fabricar ídolos, para adorar ou para demolir. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou.

A expressão "Deus Pai" nunca fora revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés perguntou a Deus quem Ele era, ouviu outro nome. A nós este nome foi revelado no Filho, pois este nome novo implica o nome novo de Pai.

Podemos invocar a Deus como "Pai", porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito homem e porque seu Espírito no-lo faz conhecer. Aquilo que o homem não pode conceber nem as potências angélicas podem entrever, isto é, a relação pessoal do Filho com o Pai, eis que o Espírito do Filho nos faz participar nela (nessa relação pessoal), nós, que cremos que Jesus é o Cristo e (cremos) que somos nascidos de Deus.

Quando rezamos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com seu Filho, Jesus Cristo. E então que o conhecemos e o reconhecemos num maravilhamento sempre novo. A primeira palavra da Oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica. Pois a Glória de Deus é que nós o reconheçamos como "Pai", Deus verdadeiro. Rendemo-lhe graças por nos ter revelado seu Nome, por nos ter concedido crer nele e por sermos habitados por sua Presença.

O dom de Deus é Deus mesmo.

O bem que Ele nos dá é Ele mesmo.

Deus quer se oferecer a nós .

Deus é nosso Pai, pois é nosso Criador.

Não somos, ainda, de um modo acabado filhos de Deus, mas devemos tornar-nos e sermos sempre mais por meio da nossa mais profunda comunhão com Jesus.

NOSSO
Nosso, exprime uma relação totalmente nova com Deus. Sempre que rezamos ao Pai, O adoramos e O glorificamo com o Filho e o Espírito Santo. Em Cristo, somos o seu Povo e Ele é o nosso Deus, desde agora e para a eternidade. Dizemos, com efeito, Pai nosso, porque a Igreja de Cristo é a comunhão duma multidão de irmãos que têm “um só coração e uma só alma” At 4,32).

Só Jesus é que podia com pleno direito dizer “meu Pai”, porque só Ele é realmente o Filho unigênito de Deus, da mesma essência que o Pai.
Em nosso caso, só podemos chamar a Deus de “Pai” se vivermos em comunhão com Cristo.

A palavra NOSSO contém uma enorme pretensão.
Ela exige de nós que deixemos a clausura do nosso eu. Ela exige que façamos parte da comunidade dos outros filhos de Deus. Ela exige que nós aceitemos o outro, abrindo para eles nosso ouvido e nosso coração.

QUE ESTAIS NOS CÉUS
Com estas palavras não deslocamos Deus Pai para o espaço sideral, mas afirmamos que nós, que temos pais tão diferentes, vivemos todos, no entanto, de um único Pai, que é a medida e a origem de toda paternidade: “Eu dobro os meus joelhos diante do Pai, do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra” (Ef 3, 14-15).

A paternidade humana cria separações e a paternidade divina une.
Céu significa a realidade divina, de onde todos nós viemos e para onde todos nós deveremos retornar.

SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME
Deus produz a relação entre ele e nós. Ele se torna invocável. Ele entra em relação conosco e nos permite estar em relação com ele. Mas isso também significa: Deus se entrega de algum modo ao nosso mundo humano. Ele é invocável e por isso também vulnerável. Ele assume o risco da relação, de estar conosco.

Ao ser revelado o nome de Deus pode ser abusado, pode ser instrumentalizado para os nossos objetivos e, desse modo, é deformada a verdadeira imagem de Deus. Quanto mais ele se entrega em nossas mãos, tanto mais pode ser a sua luz escurecida; quanto mais próximo estiver, tanto mais o nosso abuso pode torná-lo irreconhecível.

Ao pedirmos, santificado seja o vosso nome, suplicamos que Deus tome na mão a santificação de seu nome, que Ele proteja o mistério da sua invocabilidade para nós; e que sempre, ele mesmo, vá para fora da nossa desfiguração.

VENHA A NÓS O VOSSO REINO
Com este pedido reconhecemos, antes de mais nada, o primado de Deus: onde ele não está, nada pode ser bom. Onde Deus não está, o ser humano cria sua própria ruína e destrói o mundo. Neste sentido, Jesus disse: “(...) em primeiro lugar busquem o reino de Deus e a sua justiça, e tudo mais vos será dado em acréscimo” (Mt 6, 33). Com esta expressão é estabelecida uma ordem de prioridades para a ação humana, para a nossa atitude no cotidiano.

Reino de Deus quer dizer: Soberania de Deus.

A vida deste Reino é Cristo, que continua nos seus.

O Reino começa para aqueles que foram tocados e transformados pela força de vida de Cristo.

SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
A vontade do Pai é que “todos os homens sejam salvos” (1 Tm 2,3).

Para isso é que Jesus veio: para realizar perfeitamente a Vontade salvífica do Pai. Nós pedimos a Deus Pai que una a nossa vontade à do seu Filho, a exemplo de Maria Santíssima e dos Santos. Pedimos que o seu desígnio de benevolência se realize plenamente na terra como no céu. É mediante a oração que podemos “discernir a vontade de Deus” (Rm 12,2) e obter a “perseverança para a cumprir" (Hb 10,36).

Neste pedido duas coisas se tornam claras:
Existe uma vontade de Deus conosco e para nós, que deve tornar-se a medida do nosso querer e do nosso ser.
A essência do céu consiste em que lá a vontade de Deus acontece sempre, ou seja: onde a vontade de Deus acontece, aí é o céu. A terra torna-se céu à medida que, a vontade de Deus nela acontece.

Provação:
No Getsêmani (Jardim da Oliveiras), : “Meu Pai, se possível, que este cálice se afaste de mim. Contudo, não seja feito como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26, 39b). Jesus trava um combate entre duas vontades:
Vontade humana: “(..se possível, que este cálice se afaste de mim ..)”.
Vontade divina: “(...não seja feito como eu quero, mas como tu queres”.

O sofrimento, em si, nada tem de bom. Mas há momentos em nossas vidas em que o sofrimento continua presente, mesmo quando foi feito tudo para curá-lo, mesmo quando o recusamos com todas as forças.

Nesse caso, é preciso agir como Jesus, no Getsêmani: minha vontade humana é que não haja sofrimento, que não haja morte, mas a vida me mostra que o sofrimento existe, que a morte existe, e em lugar de simplesmente suportar, eu quero aderir com todo o meu ser ao mistério do sofrimento: “(...) não seja feito como eu quero, mas como tu queres”.

Fazer a vontade de Deus não é somente realizar a travessia dos sofrimentos, mas sobretudo, despertar para uma vontade mais alta através das provações de nossa existência. A vontade de Deus é a nossa felicidade.

O sinal de que fazemos a vontade de Deus é o prazer que temos ao fazer aquilo que nos é dado fazer.

Quando uma coisa é bem feita, mesmo se é difícil, há ali uma qualidade de prazer que não é somente um prazer físico ou psíquico, mas é um “prazer espiritual”. Neste momento estaremos vivendo esta petição do “Pai-Nosso”. Que a vontade de Deus se realize. Mesmo através das provações, que tua vontade se realize sempre.

O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
O quarto pedido do “Pai-Nosso” aparece como o mais humano de todos: o Senhor conhece as nossas necessidades aqui na terra. Ele que diz aos seus discípulos: “Não vos preocupeis com a vossa vida nem com o que haveis de comer” (Mt 6, 25), convida-nos a pedirmos o nosso alimento e assim transpor para Deus as nossas preocupações.

E trata-se do “nosso pão”. Também aqui rezamos na comunidade dos discípulos, dos filhos de Deus; por isso mesmo, ninguém deve, a partir daí, pensar apenas em si mesmo. Pedimos o nosso pão – portanto, também o pão para os outros.

Quem tem pão a mais é chamado a partilhar. Este pedido do “Pai-Nosso” está relacionado a outro pedido do Senhor: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37).

PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO
Com este pedido o Senhor nos diz: Deus pode perdoar, porque ama o ser humano; porém, o perdão só pode penetrar, ser realmente eficaz, em quem for também capaz de perdoar.

O que é propriamente perdoar? O perdão é muito mais do que ignorar, mais do que querer simplesmente esquecer. O perdão é exigente: aquele que perdoa deve em si vencer o mal que lhe aconteceu, ao mesmo tempo queimá-lo interiormente, e assim, se renovar, de tal modo, que então acolha também o outro, aquele que o ofendeu.

O perdão que concedemos a quem nos ofendeu deve preceder o perdão que pedimos a Deus. No momento da oração se pressupõe que o orante já perdoou aquele que o ofendeu.

É absolutamente incorreto concluir que o perdão que nós damos condiciona o perdão divino, segundo uma lógica retributiva, pois o orante não se apresenta a Deus como uma pessoa auto-suficiente. Ele sabe que seus “pecados” são perdoados gratuitamente por Deus; sabe também que Deus não aceita uma oração hipócrita, não sustentada por uma vivência verdadeira; por fim, sabe que, se foi capaz de dar o perdão ao próximo, é porque Deus, tendo-lhe perdoado seus pecados, lhe concedeu a “graça” para perdoar aqueles que o ofenderam.

NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
A tentação vem do demônio, e visa destruir a nossa fé, pois é sempre solicitação ativa ao pecado. É diferente da provação. Para se tornar mais maduro, o ser humano precisa de provação, de purificações, para crescer na comunhão com o Senhor. A provação designa algo bom e positivo em si, cujo objetivo é permitir que o cristão se exercite com maior empenho para o crescimento das virtudes, como: a obediência, a perseverança, a constância, a fidelidade, entre tantas outras (cf. Ex 16, 4; 20, 20; Dt 8, 2; Sl 26, 2; 1Mc 2, 52; Sb 3, 4-6; Jo 6, 6; Hb 11, 17.37; Tg 1, 2; 1Pd 1, 6; 4, 12-13).

A tentação, embora permitida por Deus, vem diretamente do diabo, para nos destruir. Quando alguém vence a tentação passa por um processo extremamente doloroso de purificação. Aqui podemos pensar em Santo Antão, no deserto; em Santa Teresinha, no mundo piedoso do seu Carmelo; e, mais recentemente, em Madre Teresa de Calcutá.

No sexto pedido do “Pai-Nosso” deve estar contida, por um lado, a disponibilidade para tomarmos sobre nós a carga na provação, que nos está atribuída. Mas por outro lado, trata-se precisamente do pedido para que Deus não nos atribua mais do que aquilo que podemos agüentar; que ele não nos deixe escapar das suas mãos.

MAS LIVRAI-NOS DO MAL
O último pedido do “Pai-Nosso” retoma o penúltimo e transforma-o numa proposição positiva; deste modo, ambos pedidos pertencem intimamente um ao outro. Se no penúltimo pedido domina a súplica para não dar ao mal espaço para além do suportável, no último chegamos à esperança central da nossa fé em Deus Pai. “Salvai-nos, redimi-nos, libertai-nos!” Trata-se em última instância do pedido pela salvação.

A este respeito diz São Cipriano: “Quando dizemos “livrai-nos do mal”, então nada mais resta para pedir. Quando nós alcançamos a proteção pedida contra o mal, então estamos seguros e protegidos contra tudo o que o demônio e o mundo possam realizar. Que medo poderia vir do mundo para aqueles cujo protetor no mundo é Deus”? E sta certeza deu suporte aos mártires e permitiu-lhes estarem alegres e confiantes num mundo cheio de ameaças e eles mesmos “salvos” no mais profundo de si, libertados para a verdadeira liberdade.

Com este último pedido, regressamos aos três primeiros: uma vez que pedimos a libertação do poder do mal, pedimos em última instância o Reino de Deus, a nossa comunhão com a sua vontade e santificação de seu nome. Os orantes de todos os tempos entenderam este pedido de um modo ainda mais vasto. Nas aflições do mundo pediram a Deus que pusesse um termo às desgraças que devastam a humanidade e a nossa vida.

BIBLIOGRAFIA
RATZINGER, J. (BENTO XVI), Jesus de Nazaré, São Paulo, Planeta, 2007.

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