15 de junho de 2010

CRISTOLOGIA - REINO DE DEUS (aula 06)

INTRODUÇÃO

O anúncio do Reino de Deus se dá no contexto de opressão e dominação em que vivia o povo Hebreu do I século. Jesus se insere num contexto muito carregado de expectativas messiânicas e apocalípticas. Basta relembrar a dominação que pesava sobre a Palestina desde o ano 722 a.C. (no Reino do Norte), e 587 a.C.(no Reino do Sul), passando por vários impérios: Babilônico (605-539 a.C), Medo (625-550 a.C), Persa (539-331 a.C), Helênico (336-141 a.C), Romano (63 a.C - 132 d.C). São séculos de dominação política e cultural. São séculos de opressão econômica e, em muitos momentos, de verdadeiros massacres contra a população. Sobretudo com os romanos, onde houve uma cobrança altíssima de impostos e uma agitação social generalizada.

É dentro deste contexto que se pode compreender a importância do anúncio do Reino de Deus como Boa-Nova.


Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia, proclamando a Boa Nova de Deus: "Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa-Nova"(Mc 1,14-15). Com estas palavras o Evangelho de Marcos descreve o início do ministério de Jesus e designa ao mesmo tempo o conteúdo essencial de sua pregação.

Mateus resume assim o ministério de Jesus na Galiléia:

Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, anunciando a Boa-Nova do Reino e curando toda espécie de doença e enfermidade do povo. (Mt 4,23).

Jesus começou a percorrer todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino e curando todo tipo de doença e de enfermidade. (Mt 9,35).

O conteúdo central do evangelho diz: O Reino de Deus está próximo! É exigida uma resposta do homem a esta oferta: Conversão e Fé.

A Expressão "Reino de Deus" ocorre 122 vezes no NT, sendo que 99 vezes nos três evangelhos sinóticos. Destas 99 vezes, 90 pertencem às palavras de Jesus.

Jesus anunciou o Reino de Deus e não um Reino qualquer.


 

REINO DE DEUS e REINO DOS CÉUS

Mateus fala, porém, do "Reino dos Céus"; mas a palavra "céu" é utilizada por respeito perante o mistério de Deus e pelo fato de não ser pronunciada ou evitada pelo judaísmo.

"Reino dos Céus" não se indica algo que esteja para além; ao contrário, o que está em causa é o discurso sobre Deus, que transcende o nosso mundo, mas é ao mesmo tempo interior ao mundo.


 

REINO DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

O anúncio da soberania de Deus, como toda a mensagem de Jesus, origina no Antigo Testamento (AT).

Lá estão em primeiro lugar os chamados salmos de entronização, os quais proclamam o Reino de Deus (YHWH) - um reino que é compreendido de um modo cósmico-universal e que Israel acolhe no modo de operação (Sl 47; 93; 96 - 99). A partir do século VI a.C e perante as catástrofes na história de Israel, o Reino de Deus torna-se esperança a respeito do futuro.

No judaísmo do tempo de Jesus, encontramos um conceito do reinado de Deus no culto do Templo de Jerusalem e na liturgia da sinagoga. O judeu piedoso reza todos os dias a Shemá Israel: "Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças"(Dt 6,4-5). A recitação desta oração foi interpretada como o modo de aceitar o julgo da soberania de Deus.


 

REINO DE DEUS: CENTRO DA MENSAGEM E DA ATIVIDADE DE JESUS

Para compreender o significado que Jesus atribuía à própria vida, às suas atividades, opções, ao seu comportamento e até à própria morte, é indispensável atentar para a relação existente entre Jesus e o Reino de Deus. De fato, o Reino constituía o centro de toda a vida de Jesus (cf. Mt 4, 23; Mc 1, 15; Lc 4, 43; 8, 1). E convém notar que Jesus não se limita a afirmar a existência do Reino de Deus. O que ele anuncia é a grande novidade da chegada desse Reino: ele vem já, agora!


 

EM QUE CONSISTE O REINO DE DEUS?

Não há elementos objetivos que nos permitam a afirmar que Jesus fez uma definição clara do Reino de Deus. Para entender a compreensão que Jesus tinha de Reino de Deus, é necessário recorrer a várias aproximações.

Por isso, possuem valor especial aqueles referências ao Reino de Deus que, com muita probabilidade, são do próprio Jesus. É o caso das bem-aventuranças e do "Pai-Nosso".

Da leitura atenta das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23), depreende-se o que o Reino traz: os famintos são saciados, os que choram são consolados, etc. Quer dizer: o sofrimento é afastado.

O Reino de Deus implica um mundo novo onde prevalecem a justiça, a fraternidade e a paz. A imagem do paraíso talvez seja a mais indicada para ilustrar o que seria a novidade do Reino de Deus.

A harmonia com Deus propicia relações dialógicas entre os seres humanos, um relacionamento responsável entre estes e o meio ambiente, bem como uma relação de cada ser humano consigo próprio, vivida na verdade e na sinceridade.


 

O REINO: DOM GRATUITO DE DEUS

O Reino é um dom totalmente gratuito. O Reino vem, assim, pela ação e pela iniciativa de Deus. Constitui um dom tão valioso que não existe esforço humano capaz de conquistá-lo ou de comprá-lo: só pode ser recebido como "dom". Ao ser humano cabe abrir-se a esse dom estupendo, acolhendo-o com alegria e gratidão. O Reino é, pois, obra de Deus e só este pode oferecê-lo ao ser humano (cf. Mt 25, 34; Mc 4, 26-29; Lc 12, 32; 22, 29-30).

Em relação ao dom do "Reino de Deus", a atitude fundamental do ser humano resume-se na abertura, na receptividade, no acolhimento. Como ponto de partida para receber o dom do Reino, é indispensável que o ser humano reconheça a própria incapacidade de "auto-salvar-se". Por isso, o homem ou a mulher, fechados numa auto-justificação orgulhosa, são incapazes de experimentar o dom do Reino.


 

CONVERSÃO E FÉ

O Reino é dom, mas é um dom pessoal, que exige uma resposta do ser humano. No evangelho de Marcos, a mensagem do Reino é sintetizada nas palavras: "Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa-Nova"(Mc 1,14-15).
A palavra "conversão" significa repensar, sentir, pensar e agir de outro modo.

A "conversão"
a que Jesus convoca significa colocar-se no seguimento dele, Jesus, como seu discípulo. O discípulo é chamado a fazer a mesma coisa que o Mestre: anunciar o Reino e curar os doentes (a cura é um sinal da atuação do Reino de Deus que vence o mal, representado pela doença).


 

O REINO REJEITADO E O JUÍZO

A mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus é "mensagem de salvação". No entanto, existe a possibilidade bem real de o ser humano ficar fechado na sua auto-suficiência farisaica, rejeitando, assim, a proposta salvífica do amor de Deus. Rejeitar a salvação resulta na ruína do ser humano (cf. Mt 7, 24-27).

A decisão para acolher o dom de Deus deve ser tomada já, agora, pois o juízo chegará de maneira inesperada (cf. Mt 24, 40-44); é necessário decidir-se agora, enquanto ainda estamos no caminho (cf. Lc 12, 57-59).

Sabemos muito bem qual será o critério usado no juízo: a misericórdia vivida em relação aos menores dos irmãos. Surpreendentemente, o "Filho do Homem", o juiz, aparece identificado com eles (cf. Mt 25, 31-46).

O que esses e outros textos sobre o juízo querem realçar é a necessidade da vigilância e da abertura, no momento atual, para acolher o Reino de Deus.

Não temos tempo indefinido. A hora da conversão é agora. A oferta da salvação é uma realidade muito séria, diante da qual urge tomar uma decisão imediatamente. E não esqueçamos que, em definitivo, é a própria pessoa quem se julga, à medida que se fecha à proposta salvífica de Jesus Cristo (cf. Jo 3, 16-21)13.


 

O REINO É FUTURO E SIMULTANEAMENTE PRESENTE

Jesus apresenta o Reino freqüentemente no futuro, no final dos tempos: "Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui não provarão a morte, sem antes terem visto o Reino de Deus chegar com poder". (Mc 9,1).


Mas, por outro lado, Jesus proclama a grande novidade de que o Reino irrompe e atua já, agora, hoje, nesta nossa história: "Se expulso, no entanto, pelo Espírito de Deus, é porque já chegou até vós o Reino de Deus"(Mt 12,28).

O Reino já está no meio de nós. É preciso, no entanto, acrescentar que existe uma íntima relação entre a atuação do Reino de Deus hoje, no presente, e o Reino na plenitude futura. Esta vinculação está na origem da conhecida tensão entre o "já" (atuação do Reino na ambigüidade de nossa história) e o "ainda não" (o Reino na plenitude futura), tensão essa que faz parte, de maneira básica, da existência histórica cristã.


 

COMO ATUA HOJE O REINO DE DEUS

Como será a plenitude futura do Reino?

Mal podemos imaginar, uma vez que a promessa de Deus vai muito além de nossas expectativas e de nossos sonhos mais audaciosos. Sabemos, contudo, que a participação nesta plenitude está intimamente relacionada à vivência atual do Reino de Deus, na limitação e na ambigüidade de nossa vida e de nossa história.

É fundamental tomar consciência de como atua hoje o Reino de Deus. É neste mundo e nesta história que somos chamados a responder à interpelação do Reino de Deus.

O próprio Jesus mostra-nos como se realiza a atuação do Reino de Deus. A explicação é dada de maneira simples, profunda e cheia de simbolismos, por meio das conhecidas parábolas do Reino (cf. Mt 13)16.

a) Mt 13, 4-8 e 18-23: parábola do semeador

A explicação dada por Jesus a respeito dos diferentes tipos de terreno que recebem a semente do Reino é bastante conhecida. O que nem sempre fica evidente na leitura dessa parábola é outra indicação prática que ela também contém: semeando hoje em terra apropriada haverá colheita. A palavra de Jesus é a semente do Reino. Agora é tempo de semear, não chegou ainda o tempo da colheita. Somos convidados a colaborar com Jesus no trabalho de lançar a semente do Reino. A advertência de Jesus ressoa claramente: cuidado para não confundir o tempo de semear com o tempo de colher! Muita frustração pastoral seria evitada se prestássemos mais atenção a essa observação de Jesus17.


 

b) Mt 13, 24-30 e 36-43: parábola do joio; Mt 13, 47-50: parábola da rede.

O Reino já está chegando, na medida em que a boa semente é semeada e a rede lançada. Na ambigüidade da história, a semente boa coexiste com o joio. A separação só será realizada no final, no tempo da colheita. Assim também ocorrerá com os peixes: só serão separados, os bons e os que não prestam, quando a rede fora arrastada para a praia. Essa duas parábolas basicamente ensinam que é necessário, antes de tudo, saber assumir a verdade de nossa ambigüidade radical: boa semente e joio, peixes bons e peixes ruins, luz e sombra; ou seja, o bem e o mal coexistem em nosso coração. Isso se pode afirmar também a respeito das comunidades eclesiais, da Igreja como um todo e da história humana em geral. Não existe comunidade perfeita nem pessoas perfeitas. E não se pode dizer que os santos vivenciaram com perfeição o amor a Deus e ao próximo. Precisamente eles, mais do que ninguém, tinham consciência de sua imperfeição, da presença do "velho" em sua própria vida.

A constatação de nossa ambigüidade radical não deve ser compreendida como um convite à passividade ou à resignação. Ao contrário, constitui uma interpelação para que apostemos no novo, na boa semente, mas tendo sempre presente a realidade do joio, do velho, da tendência ao fechamento no próprio "eu". O desafio a cada um de nós consiste em apostar no novo, colocando a energia a serviço do crescimento da semente do Reino, mas cuidando, simultaneamente, para que o joio, o velho, atrapalhe o mínimo possível. Podemos afirmar que

é próprio da pessoa amadurecida saber assumir a ambigüidade da própria existência e da existência dos outros.

c) Mt 13, 31-33: parábolas do grão de mostarda e do fermento

Nestas duas parábolas, Jesus oferece-nos novas indicações sobre a atuação do Reino de Deus. Discrição, ocultação e até mesmo fracasso acompanham a chegada e a atuação do Reino de Deus no tempo atual. Tudo isso aparece bem claramente na vida do próprio Jesus. As pessoas atingidas pelo seu amor, pela sua dedicação e pelas curas constituíam uma pequena minoria entre a imensa multidão de sofredores que havia no Império Romano. Em termos quantitativos, a atividade de Jesus não nos parece muito significativa. Mas foi por meio dessa atividade que aconteceu a atuação do Reino de Deus, que o "qualitativamente" novo foi se desenvolvendo.

A ocultação, a discrição e freqüentemente o sofrimento fazem parte do trabalho evangelizador desenvolvido pelas comunidades eclesiais e pelos cristãos. E quanta frustração sobrevém, justamente porque esta realidade do Reino, no mundo atual, não é suficientemente assumida. O triunfalismo, a fome do extraordinário, a vontade de poder que leva à dominação dos outros são tentações constantes para o cristão e para as comunidades eclesiais.


 

BIBLIOGRAFIA

RATZINGER, J. (BENTO XVI), Jesus de Nazaré, São Paulo, Planeta, 2007.

GARCIA RUBIO, A., O Encontro com Jesus Cristo Vivo, 8 ed., São Paulo, Paulinas, 2001.

FERRARO, Pe. Benedito., Cristologia, Petropolis, Vozes, 2004.

PALAU, Pe. José Roberto., Cristologia, Instituto de Teologia e Filosofia Santa Terezinha (ITEFIST), São José dos Campos, 2009.

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