10 de maio de 2010

CRISTOLOGIA - INTRODUÇÃO (aula 01)

Jesus de Nazaré é um judeu, criado nas tradições do povo judeu. Seus primeiros seguidores e primeiros adversários também eram judeus. O Antigo Testamento é um pressuposto interno de Jesus e uma dimensão constitutiva de Jesus e da fé em Cristo. “Para o judaísmo a redenção é um processo que se realiza publicamente, no palco da história e no meio da comunidade: se realiza de maneira decisiva no mundo do visível e não pode ser concebido sem essa aparição no visível” – G. Scholem Vida abençoada: saúde, subsistência econômica, terra, descendência, vida longa, paz, liberdade, direito, acesso intacto a Deus. A vida “natural” é presente de Deus, concedida para que cada um siga a orientação de Javé (nome que uma corrente teológica em Israel chamava Deus) e o testemunhe no mundo. A vida é graça, e quem vive em comunhão com Javé é presenteado com uma vida realizada. Mais tardiamente, Israel começou a distinguir entre felicidade terrena e relacionamento com Deus: “Tua graça é maior que a vida” (Sl 63, 4). Israel narra sua história como palco de sua experiência de Javé e sua atuação redentora. Redenção é libertação em sentido real, corporal, social, econômico. A libertação da servidão no Egito é a ação libertadora prototípica de Javé. Experiência de libertação como liberdade de uma vida “comum” pra ser um povo de pessoas libertas e livres. Ninguém pode oprimir ou escravizar ninguém. Não existe salvação que, como salvação de Javé para todos, não fosse primeiro a salvação dos pobres. Israel vive esta libertação na terra prometida, como uma sociedade tribal, caracteristicamente rural, de subsistência. Seus líderes são pessoas carismáticas, que são ”possuídas” pelo Espírito de Deus (Jz 3, 10; 6, 33a; 11, 29; 1 Sm 11, 6), e que, após sua ação pelo povo, voltam a ser o que eram. Sua ação é caracterizada por uma relação direta e pessoal com Deus. Por motivos internos e externos, por volta de 1030 AC Israel opta por ter um Rei. Primeiro com Saul, depois Davi (1010 AC), e Salomão (971-931 AC). O trono eterno de Javé agora é o Templo e sua habitação é o monte Sião. É de lá que Javé e o rei davídico por ele nomeado exercem seu domínio sobre o povo e sobre o mundo todo, em flagrante discrepância com a realidade histórica da fragilidade do Reino de Israel. Esta vinculação da presença de Javé a um lugar determinado e fixo, como também à dinastia de Davi acarreta equívocos perigosos: a confiança em Javé ameaça transformar-se em confiança num lugar e numa instituição e numa sensação de falsa segurança e proteção. A monarquia centralizada nunca foi unanimidade em Israel. Surge nesta época o movimento profético forte, inicialmente na figura da Samuel. Os profetas pré-exílicos combatem firmemente essa falsa confiança no Templo. (Mq 1, 5.9; 3, 10.12; Sf 1,4; Is 7, 9), chamando atenção para a necessidade de conversão e fé. Eles anunciam que a confiança nas instituições pode tornar-se em desgraça. A ameaça de desgraça vem de inimigos externos, opressores, catástrofes, etc, mas também se situa no interior do homem. O relacionamento perturbado com Deus se expressa na perturbação da ordem vital exterior dada por Deus. O Rei, para Israel, nunca foi uma figura divina no sentido de geração, e sim no sentido de eleição. O Rei era ungido na cerimônia de entronização. Inicialmente o título de Cristo (Ungido) foi aplicado ao Rei. Historicamente, nunca se cumpriu o domínio mundial e superioridade bélica do rei de Israel sobre todos seus inimigos. Pelo contrário, cada rei da descendência de Davi era pequeno demais para essa função. Havia uma grande diferença entre a pretensão de grandeza levantada e a real situação do Reino, sempre ameaçado por inimigos poderosos. Israel aprende que o poder e a violência não são os meios pelos quais Javé quer reinar. Despertava, então, uma grande expectativa que apontava para além da monarquia real, que sempre fracassava. Surge a esperança profético-messiânica de uma monarquia ideal, não violenta, completamente nova. A idéia messiânica surgiu como contraste crítico com a real situação de poder. Os profetas, sempre críticos da monarquia e atualizadores da voz de Deus, falam de uma figura de governante futuro, pela qual Javé mesmo vai estabelecer um reino de justiça e paz. Apontam, claramente, para uma época “messiânica” em sentido lato. Nesta linha, encontramos as profecias contidas em 2 Sm 7, 11b.16; Is 7,12-16; Is 9, 1-7 e Is 11, 1-5.9 Com a morte de Salomão (931 AC), o descontentamento é geral, principalmente nas tribos do Norte, que sentem-se preteridas em relação às tribos do Sul. O reino divide-se em Reino do Norte (Israel) e Reino do Sul (Judá), que passam a ter vidas independentes. Com o surgimento da Assíria, o Reino de Israel, é logo sugado, por conta de suas crises políticas internas e graves problemas sociais, denunciados fortemente por profetas como Amós e Oséias. O Reino de Israel cai em 722 AC. Milhares de cidadãos israelitas são deportados e são instalados estrangeiros em seu território. Houve uma mistura dos estrangeiros com a população nativa que aí ficou. Seus descendentes são os samaritanos. O Reino do Sul (Judá) sofre um processo de lenta desintegração. As injustiças e opressões são sempre denunciadas por profetas como Miquéias, Sofonias, Naum. A Assíria, dizimada por lutas internas e pressões externas, entra em decadência. O rei de Judá, Josias, organiza, então, uma reforma política e religiosa. Uma nova potência surge na Mesopotâmia: Babilônia, que derrota definitivamente a Assíria e assegura para si os antigos territórios assírios, inclusive Judá. Judá busca apoio no Egito. Entretanto, Nabucodonosor, rei da Babilônia, derrota o exército egípcio e invade Jerusalém em 598 AC. Acontece a primeira deportação dos judeus para a Babilônia, iniciando-se o período conhecido como Exílio Babilônico. Desta época é o profeta Jeremias, que criticara violentamente a política pró-Egito. Jeremias não vai para a Babilônia. Jerusalém é incendiada e o Templo destruído. Há uma segunda deportação em 586 AC. Israel agora está arrasada: não tem mais terra, nem Rei, nem Templo. Está exilado num pais estrangeiro. Nesta situação de crise, os profetas pré-exílicos, até então considerados desmancha-prazeres, foram levados a sério. A catástrofe do povo não era prova da superioridade dos deuses dos vencedores, e sim castigo por sua própria culpa e infidelidade a Javé. É feita uma releitura da História e mostra-se que Deus advertira seu povo para suas transgressões através dos profetas, mas o povo não deu ouvidos e assim a catástrofe ocorreu. Mas havia uma chance de retorno: o povo se converter. Deus haveria, então de criar condições para a mudança, Deus precisa convertê-los por sua própria iniciativa: “Dar-vos-ei um coração novo e porei um espírito novo em vosso íntimo” (Ez 36, 26). Na comunidade dos exilados, o profeta Ezequiel lembra que Deus está onde estiver reunido seu povo. Deus está ligado ao povo e não à terra. Ezequiel começa a esboçar um projeto de restauração para o povo, centrado na casta sacerdotal. Um profeta da escola de Isaías, o Segundo Isaías exorta o povo no exílio a ser a luz das nações. Este tempo no exílio é chance de Israel dar testemunho de sua eleição e de exercer sua missão especial no meio das nações. Surge nesta época a mensagem consoladora: Javé, o Santo de Israel, e só ele pode ajudar. É a chamada “esperança messiânica”, “esperança escatológica”. São desta época os chamados “Cânticos do Servo de Deus”, inseridos em Is 42, 1-9; 49, 1-9c; 50, 4-9 e 52, 13-53,12. São mensagens de salvação dirigida a Israel e, universalmente, a todos os povos. Esses Cânticos serão lidos posteriormente pela comunidade cristã como referências ao sacrifício de Jesus. Também o Trito-Isaías anuncia que Javé não é surdo, que ele mora com os abatidos e é cheio de misericórdia como uma mãe tem para com seu filho. Ele é atuante como criador e redentor paternal. Em 550 AC Ciro torna-se chefe do império medo-persa. Ele toma a Babilônia em 539 AC, e permite a volta dos exilados a partir de 537 AC. A volta do exílio traz novas esperanças ao povo. A reconstrução do Templo e de Jerusalém, sob o comando de Neemias e Esdras, torna-se uma condição imprescindível para a vinda próxima de Javé e o despontar de um novo tempo de salvação. O ministério sacerdotal, radicado no Templo, passa para o primeiro plano como mediador da salvação. Por volta de 400 AC, a dinastia real não tem mais importância. O ministério sacerdotal é a única instituição sacra que representa Israel diante de Javé e que medeia sua salvação. Em círculos proféticos, entretanto, a esperança escatológica permanece viva. Mas o rei do futuro se apega humildemente a Deus, é justo e traz a paz: “Exulta filha de Sião! Teu rei vem a ti. É humilde e vem montado sobre um jumento” (Zc 9, 9s). Em 332 AC o exército grego de Alexandre Magno vence os persas e conquista a Palestina. Começa nova fase, com a expansão do helenismo. Sob domínio dos reis gregos chamados Selêucidas (197 AC), começa-se a impor aos judeus a cultura, religião e costumes gregos. O povo dividiu-se entre os que aceitaram passivamente a influência grega e uma ala de resistência aos dominadores. Surge aí o movimento de resistência dos Macabeus. Nesta época formaram-se na Judéia diversos partidos, que se mantiveram ativos até 70 DC: os saduceus, os fariseus, os essênios. Israel, assim, continua dividido, sem esperanças de salvação por si mesma. A esperança messiânica havia se apegado a uma monarquia davídica. Apegara-se a um sacerdócio renovado e a um culto no Templo que fosse puro e agradável a Javé. Apegara-se também a um profetismo messiânico. As esperanças na ação salvadora de Javé eram grandes demais. Sempre permanecia um excedente de promessa que não era cumprido. Só restava dirigir as esperanças para a transcendência, para um absoluta reviravolta nos tempos, esperada do próprio Deus. Ele mesmo haveria de intervir diretamente e efetuar o juízo e a salvação e colocar um novo início radical na história. Almeja-se a chegada de uma novo “Ungido”. Talvez algum descendente de Davi, talvez um dos grandes profetas a voltar como restaurador de Israel. Quem sabe se deva esperar uma misteriosa intervenção direta de Deus na história, como na figura misteriosa do Filho do Homem, do capítulo 7 do profeta Daniel. É nesta situação histórica, em que Israel está sob domínio romano desde 63 AC, que surge Jesus de Nazaré. Ele é filho deste povo, que tinha, então, estas expectativas e esperanças de salvação e libertação. Aguardavam a intervenção de Javé. É neste contexto que entendemos os títulos atribuídos a Jesus: Servo, Messias, Cristo, Filho do Homem, Filho de Deus, Sacerdote, etc. Bibliografia BALANCIN, E M. Guia de Leitura dos Mapas da Bíblia. 8ª ed São Paulo: Paulus, 1987. KESSLER, H. in Manual de Dogmática (Theodor Schneider – org). 2ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2002. KONINGS, J. A Bíblia nas suas origens e hoje. 4ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2002. RATZINGER, J. Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta, 2007. SCHLAEPFER, C F, OROFINO, F R, MAZZAROLO, I. A Bíblia – Introdução historiográfica e literária. 3ª ed Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

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